segunda-feira

O Homem, a sociedade e qualquer coisa…*

Escrevo estas linhas, depois de me terem renovado um convite nesse sentido, feito há alguns anos; demorei algum tempo, talvez o necessário para deixar assentar algumas ideias, para que pudessem amadurecer à luz da experiência prática que nos é trazida pelo dia-a-dia, com relações sociais em todos os sentidos.
O Homem, dada a sua natureza, tem, atrever-me-ei a dizer, apenas três tipos de necessidades básicas à sua sobrevivência, que, ao mesmo tempo, são fisiológicas; necessidades essas que requerem acção consciente e muitas vezes social para serem cumpridas (contrapondo, a respiração é um reflexo autónomo, inconsciente e automático): a necessidade de comer e de beber (bem como a da evacuação dos seus restos), a necessidade de dormir e, por fim, a necessidade de reproduzir o seu código genético numa nova geração.
Além desta categoria, há um outro conjunto de necessidades muito importantes, como sejam a necessidade de conforto (na qual podemos incluir a necessidade de protecção contra os elementos naturais), a necessidade de afecto, a necessidade de estabelecer relações sociais, entre outras…
Porém o Homem, na sua tentativa de dar cumprimento às suas necessidades enquanto indivíduo, vê-se obrigado a enquadrar-se na sociedade; e que sociedade essa...! a nossa! Plena de valores, de hipocrisia e de preconceitos, que promete tudo e mais qualquer coisa em troca da LIBERDADE, da nossa liberdade individual.
Em troca da nossa liberdade, esta sociedade dá-nos a nossa dosezita individual de sal, que nos permite sobreviver, ou seja, cumprir as necessidades fisiológicas essenciais e almejar pela posse de uma data de bens supérfluos, as necessidades acessórias, que nos tolhem a nossa consciência colectiva.
Todos gordos, sentados na poltrona real da estupidez, feitos basbaques a olharmos para a televisão na vã esperança de sonharmos os sonhos que aí são anunciados.
- Quero mais! – diremos entre dois boçais e valentes arrotos da acomodação que nos subjugou.
- Queres mais!? Mais o quê? Mais quantas quilotoneladas de merdas que vão suprir necessidades que nunca tiveste, foram-te induzidas pelo sistema todo-poderoso da falácia mercanto-imperialo-capitalista, pronto, pronto, não chora!... foram-te ao cu e não te pagaram... És feliz?...
O Homem, neste estágio, talvez, não seja feliz, é um privilegiado que vê as suas necessidades individuais ultrapassadas e sente-se cómodo…e é tão fácil acomodarmo-nos às coisas… depois… depois há que preservar esta situação a todo o custo, já que nos sentimos bem, começamos a mentir, tornamo-nos hipócritas e continuamos a reproduzir um conjunto de valores, nos quais, no fundo, nunca acreditámos.
Enquanto isto, morreram mais não sei quantos milhões de pessoas na guerra, com fome e nasceu mais uma megatonelada de injustiças e atrocidades praticadas quotidianamente.
- Fizemos alguma coisa para as alterar?
- Não, ‘tou-me a cagar pr’éssas merdas comunóides!
- Pois, pois… ‘tou-te a ver, prepara-te para fugir quando chegarem as novas hordas de bárbaros excluídos da nossa e de outras sociedades aos muros do teu imperiozito romano-ocidental-consumista, até vivo te comem se te apanharem, sabes porquê? Porque na ânsia de preservares as tuas regalias inventaste códigos de conduta, sistemas de valores e mais não sei o quê que eles não respeitarão, uns porque traídos pelo sistema, outros por nunca o terem chegado a conhecer: Comem-te vivo! – Sabes porquê? Eles estão mais aptos para a sobrevivência que tu: foram à luta…
Só poderás ter a certeza que eles respeitarão a tua existência quando tiverem as mesmas oportunidades que tiveste, dito de outra forma, só quando todos os homens tiverem as suas necessidades básicas supridas, é que poderemos avançar na construção de uma nova sociedade.

Por isso, se faz favor, deixa-te de merdas, deixa-te incomodar, reage, sai da letargia que se apossou de ti, vai à procura dos teus sonhos, dos teus verdadeiros sonhos, não daqueles que a televisão passou para ti. Se formos muitos, construir um Mundo Novo, será tão, tão mais fácil…



A. H. das Neves
*Publicado originalmente em www.osbarbaros.org

Mão morta, mão morta vai bater àquela porta

O teu mundo
É um lugar
Que não conheço,
Bato à porta,
Entreabre-la,
De outras vezes,
Abres tu a porta
E convidas-me
A espreitar…
Vejo fragmentos
De um mundo
Diferente do meu:
É bom conhecer
Mundos novos:
Fico fascinado
Mas, vais entrefechando
A tua porta
E esses fragmentos
São pedaços
Demasiado pequenos
Para que o possa
Analisar e sintetizar;
São pedaços
Grandes o suficiente
Para te amar.
Anda a roleta a rodar
Mistérios da sorte……e do azar...
[1]



A. H. das Neves

Quem és

Desde o dia em que te vi
Pela primeira vez,
Algo causou estranheza em mim
- Quem és tu? – Perguntei
Ao vento à lua às estrelas
- Quem és tu, afinal?
Tu que vieste…
Inquietar a minha quietude quieta
Desassossegar o meu sossego sossegado
Perturbar o meu mar dos Sargaços
Qual tempestade, qual furacão
Tropical
Despertaste o meu vulcão
Adormecido durante séculos
Fizeste transbordar o copo
Que se manteve cheio até hoje
Com poucas ondulações
Qual adolescente na descoberta
Do seu primeiro amor
As pernas trémulas
O coração palpitante
As mãos, em todo o lado
Menos no lugar onde
Deveriam estar
E sonho…
E sonho…
E sonho…
E sonho…
Espero, anjo da noite
Que a farpa que enviaste
Ao meu coração
Nunca, mas nunca
Seja retirada
Esvair-me-ia em sangue
Que brotaria da ferida aberta,
A minha debilidade
Nunca aguentaria a vida
Neste mundo Feio, Porco e Mau…


A. H. das Neves

Duas almas

Duas almas…
Um mundo…
Grande demais…
Para se descobrirem…
Grande de menos…
Para albergar…
O seu amor…


A. H. das Neves

As Aventuras... e desventuras do GAJO!

O Sol
A merda do telemóvel toca... é manhã cedo, mais precisamente, são sete da manhã: uhmm, ahhhh, o gajo pega no telemóvel que jaz ao lado do sofá, desligando-o, o televisor continua aceso, emite um daqueles programas da manhã com o trânsito, o tempo e as notícias quentinhas acabadas de cozer; nada disto lhe interessa. Vira-se para para o outro lado, entretanto, entra alguém na sala: são sete da manhã, dispara a sua irmã, enquanto sai.O telemóvel, tornou a tocar, uma e outra vez, repetidamente, todos os dez minutos, o procedimento era invariavelmente o mesmo: desligar. O telemóvel toca mais uma vez, desta vez o gajo viu as horas, 8:00, merda, já não há grande tempo; entretanto já alguém se enfiara na casa de banho, continuva o programa de trânsito, as coisas não estão melhores em Bessa Leite, o trânsito está parado, era o som que saía do quadrado que mostrava uma estrada, daquelas com muitas faixas e pontes e nós, completamente entulhada de carros.- Está claro que hoje, banho, piu! - pensa o gajo, enquanto se dirige para o quarto em busca de uma t-shirt e de umas peúgas.Sai de casa cheio de pressa sem tomar o pequeno almoço, deveria sair às oito e um quarto, já são oito e meia; aterra no café - bom dia, Arminda, um cafézinho, por favor - engole o café e o cigarro, foge para dentro do carro e segue viagem; apanha aquela estrada que está em terra batida porque resolveram alargá-la, são só dois quilómetros e é um atalho do caraças, vai atrás de uma carrinha de uma sociedade de canalizadores, a terra da estrada está ondeada, em especial naquela subida, fazendo saltitar o carro, a carrinha deixa o seu rasto de pó que se deposita no carro e lhe dificulta a visão, de repente, bate-lhe o sol baixo, não vê quase nada, circula devagar, olha para o relógio do carro: ora, foda-se, hoje entro meia hora mais tarde, merda!


A. H. das Neves